por Cicero Silva
A linha de pesquisa dos estudos do software, ou somente Software Studies, foi delineada por Lev Manovich em seu livro The Language of New Media (MIT Press, 2001) e teve um impacto profundo no campo de estudos das novas mídias. A virada proposta por Manovich foi considerada como um passo inicial em direção ao estabelecimento de uma crítica dos aparatos tecnológicos e demonstrou os limites a que estávamos confinados quando analisávamos os sistemas computacionais a partir dos elementos externos do processamento da máquina, do hardware puro que mantinha os processos e produzia os efeitos em termos de imagem e cálculo.
Durante os dias 25 e 26 de fevereiro de 2006, Matthew Fuller, professor do Goldsmiths College em Londres, organizou o primeiro workshop sobre Software Studies em Roterdam e deu início a um projeto mais abrangente de analisar o software a partir de aspectos relacionados com as ciências humanas. O livro Software Studies: a lexicon (MIT Press , 2008) contém o resultado desse primeiro encontro, com textos analisando o “gênero” dos algoritmos, as propriedades culturais do código e as formas e estruturas gramaticais das linguagens de programação em relação às questões estéticas dos bancos de dados na contemporaneidade, os processos comunicacionais e ideológicos envolvidos no código, entre várias outros tópicos interdisciplinares ligados à ciência da computação, engenharia e humanidades.
Em 2008, durante os dias 21 e 22 de maio, a Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) hospedou o Software Studies Workshop, com a participação de especialistas de várias parte do mundo com um único objetivo: redigir os fundamentos dessa área de pesquisa e elaborar um instrumento metodológico para a implementação das pesquisas nesse campo que está ainda em elaboração.
O campo do Software Studies é uma área emergente, ainda em construção e tem como objetivo analisar mais detalhadamente as transformações que a cultura do software operou nas sociedades contemporânea não só olhando para os “efeitos” que o software produz, mas observando a gramática do processo de significação dessas imagens, atentando para os códigos que são utilizados, para os processos ideológicos que regulam a linguagem de programação, para os estudos de gênero que podem ser analisados quando da leitura acurada de uma linguagem de processamento, entre várias outras camadas que passam atualmente despercebidas para mais de 90% dos pesquisadores na área das tecnologias da comunicação, informação e do conhecimento. Cada objeto criado via software cria uma nova realidade de uso da máquina, às vezes a transformando em equipamento de projeção de imagens, máquina de calcular ou mesmo em uma máquina de relações sociais. Em todos esses exemplos, o que produz efeito real sobre a cultura é a forma com que se criam as linguagens e as significações a que elas estão sujeitas, ou seja, o processo comunicacional mais uma vez é estruturado entre a forma da emissão e o conteúdo e ser emitido.
O papel do software é moldar o processo de emissão e ao mesmo tempo construir a imagem a ser comunicada. Isso significa dizer que o software ocupa ao mesmo tempo o lugar da linguagem e o do processo de significação; é ao mesmo tempo a forma e o conteúdo do que se quer dizer, podendo ocupar os dois espaços ao mesmo tempo, diluindo a dicotomia clássica de forma irreversível e criando outras de forma ainda intangível.O campo do Software Studies analisa a profusão da cultura do software e como o software vem cada vez mais alterando processos em vários níveis, interferindo na forma como ensinamos, pesquisamos, conhecemos e consumimos, isso sem falar nos mecanismos de controle social e político que hoje em dia fazem parte das práticas de utilização do software em todas as camadas das administrações públicas, em quase todos os países do mundo.
O Brasil, como não poderia deixar de ser, tem tido um papel importante nas discussões sobre Software Studies em vários níveis. Desde o surgimento da Internet, o país buscou se alinhar com políticas relacionadas ao software que buscam alterar os processos pelos quais as sociedades se organizam em torno do conhecimento, ou seja, buscou alternativas à prática da manutenção dos sistemas proprietários e se viu várias vezes diante de impasses em relação a que sistemas utilizar em seus websites , em suas operações internas, em seus processos de documentação e catalogação de dados, entre outros. A criação de uma prática mais aberta em relação ao campo do software fez com que o Brasil ocupasse um lugar de destaque nas comunidades que trabalham com Open Source , Softwares Gratuitos e nas agências de regulação da propriedade intelectual ao redor do mundo. As perguntas que podemos fazer agora são: qual o significado cultural que o Open Source teve para o Brasil em termos de democratização do acesso à informação? Quais as alterações culturais que podemos perceber com a utilização de softwares não proprietários? Qual a visão que temos de um governo que propõe a utilização de Softwares ou sistemas não proprietários em sua própria estrutura, tomando por exemplo o site do Ministério da Cultura, que utiliza o sistema Wordpress em suas páginas na Internet? Como podemos desconstruir os processos computacionais operados via software e torná-los uma linguagem?
Essas e muitas outras perguntas o grupo de Software Studies tentará responder em suas reuniões mensais que acontecerão no FILE Labo, a princípio em São Paulo, mas que poderão se estender para outras instituições interessadas em pensar essa nova realidade com a qual estamos lidando.
A construção dessa iniciativa se deu ao longo de alguns anos, começando com a vinda do pesquisador Noah Wardrip-Fruin para o Brasil em 2006, para uma série de conferências em universidades e centros culturais e com o desenvolvimento de um pós-doutorado na área de tecnologias interativas, software studies e comunicação, desenvolvido por mim entre 2006 e 2007 junto ao departamento de Comunicação, sob a supervisão de Wardrip-Fruin e Ted Nelson, com apoio da CAPES, na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD). Com essa iniciativa no Brasil pretendemos analisar a forma com a qual o país poderá se inserir no campo da cultura do software e de que maneira poderemos analisar questões relacionadas à disseminação do conhecimento e da cultura vivendo em uma sociedade do software, regida pelas linguagens do processo computacional e por métodos de comunicação mediados pelas estruturas dos computadores.
Os fundadores do Software Studies na Universidade da Califórnia em San Diego são Lev Manovich, diretor e Noah Wardrip-Fruin, diretor assistente.
O Grupo Software Studies é dirigido no Brasil por Lev Manovich com a coordenação-geral de Cicero Silva.
PROJETOS EM ANDAMENTO
METABROWSER: culturas da visualização
Cicero Silva e Marcos Khoriati
Cicero Silva e Jane de Almeida
* Cicero Silva é pesquisador e professor na área de tecnologia e comunicação e coordena o Grupo de Software Studies no Brasil. Fundou, junto com Marcos Khoriati, os sites GPSface e o projeto GPSart.net. O objetivo desses projetos é investigar novas formas de participação social utilizando o GPS e também desenvolver uma comunidade on-line wireless através da utilização de telefones celulares com GPS. Atualmente Cicero é Pesquisador Associado ao Center for Research in Computing and the Arts (CRCA) na Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). Cicero foi Visiting Scholar na Universidade da Califórnia, San Diego (2006-2007/apoio CAPES), onde desenvolveu sua pesquisa de pós-doutorado sob orientação de Ted Nelson e NoahWardrip-Fruin e na Brown University (2005/apoio CAPES/MEC), local onde realizou parte de sua pesquisa de doutorado junto a pesquisadores como George Landow, Noah Wardrip-Fruin e Roberto Simanowski. Cicero é mestre e doutor em Comunicação e Semiótica, autor do livro Plato online: nothing, science and technology (All Print), coordenador do Comitê Científico do FILE e do comitê Científico do FILE Labo. Cicero tem organizado congressos e seminários na área de arte e tecnologia, novas mídias e softwarestudies, tais como os seminários Tecnocriações e Estética e Novas Tecnologias.