Lev Manovich
Publicado originalmente em Perissinotto, P. e Barreto, R. Teoria Digital. Tradução de Cicero Inacio da Silva e Jane de Almeida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010, pgs. 108 a 133.
Publicado originalmente em Perissinotto, P. e Barreto, R. Teoria Digital. Tradução de Cicero Inacio da Silva e Jane de Almeida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2010, pgs. 108 a 133.
Computação gráfica como método de pesquisa
A explosão de novas idéias e métodos nas disciplinas culturais nos anos 1960 não pareceu ter afetado a apresentação dos processos culturais na prática. Livros, museus dedicados à arte, design, mídia entre outras áreas culturais continuam a organizar os seus temas em um pequeno número de categorias discretas*: períodos, escolas artísticas, ismos, movimentos culturais. Os capítulos de um livro ou as salas da maioria dos museus atuam como divisores materiais entre essas categorias. Dessa forma, um “organismo” cultural que evolui continuamente é colocado à força em caixas artificiais.
Na realidade, mesmo que em um âmbito tecnológico a mudança do analógico para o digital ainda seja um fato recente, nós temos “sido digitais” em nível teórico por um longo período. Ou seja, desde a emergência das instituições modernas de armazenamento cultural e da produção do conhecimento cultural no século XIX (ou seja, museus e disciplinas na área das humanidades alocadas em universidades) nós temos utilizado categorias discretas para exemplificar a continuidade da cultura no sentido de teorizá-la, preservá-la e exibi-la.
Podemos perguntar: se estamos atualmente fascinados com as idéias de fluxo, evolução, complexidade, heterogeneidade e hibridização cultural, porque nossas representações e apresentações dos dados culturais não refletem essas idéias?
Diagrama da evolução da arte moderna criado para o MOMA por Alfred H. Barr em 1935 para a exposição Cubismo e Arte Abstrata.
O uso de um pequeno número de categorias discretas para descrever conteúdos caminhou passo-a-passo com a recusa das humanidades modernas e das instituições culturais em utilizar representações gráficas para reproduzir tais conteúdos. Muitos conhecem o famoso diagrama da evolução da arte moderna criado por Barr (o fundador e primeiro diretor do MOMA em Nova Iorque), realizado em 1935. Mesmo que esse diagrama ainda utilize categorias discretas em seus fundamentos, trata-se de uma evolução frente às padronizadas linhas de tempo da história da arte e das plantas baixas dos museus de arte, já que ele representa um processo cultural usando um gráfico em 2D. Infelizmente, esse é o único diagrama bem conhecido da história da arte produzido em todo o século XX.
Cabe realçar que, desde as primeiras décadas do século XIX, as publicações científicas começaram a utilizar técnicas gráficas em larga escala que permitiam representar fenômenos como variações constantes. De acordo com a história visual on-line da visualização de dados de Michael Friendly, durante aquele período “todas as formas de exposição de dados foram inventadas: barras, gráficos, histogramas, gráficos em linha e traços de séries temporais, traços de contorno e assim por diante.”1
1832: O primeiro diagrama que enquadra uma leve curva em um scatterplot (mapa com linhas de fuga): posições x tempo para g; Virginis (John Herschel, Inglaterra).
1837: Primeiro mapa de fluxos publicado, mostrando o transporte de recursos através de linhas sombreadas, com largura proporcional ao número de passageiros (Henry Drury Harness, Irlanda).
Embora uma história sistemática da exibição dos dados visuais ainda esteja por ser pesquisada e escrita, livros populares de Edward Tufte ilustram como os gráficos que representam dados quantitativos já tinham se tornado comuns em várias áreas profissionais no final do século XIX.2
O uso de representações matematicamente definidas de qualidades contínuas foi largamente acelerado após os anos 1960 devido a adoção de computadores para automaticamente criar gráficos. Em 1960, William Fetter (designer gráfico da fábrica de aviões Boeing) cunhou a frase “Computação Gráfica”. Na mesma época, Pierre Bézier e Paul de Casteljau (que trabalhou para a Renault e Paul de Casteljau respectivamente) independentemente inventaram as splines – matematicamente descritas como linhas suaves que podem ser editadas por um usuário. Em 1967, Steven Coons do MIT apresentou os fundamentos matemáticos para o que finalmente se tornou a forma padrão para representar superfícies em softwares de computação gráfica: “Sua técnica para descrever uma superfície foi construí-la a partir de uma coleção de partes adjacentes, de continuidade contraída e que permitiam às superfícies terem a curvatura esperada pelo designer.”3. A técnica de Coons se tornou o fundamento para a descrição de superfícies na computação gráfica (das quais a mais popular é o NURBS – Non Uniform Rational Basis Spline, ou Linha de Base Racional Não Uniforme).
Superfície 3D NURBS
No momento em que os campos do design, da mídia e da arquitetura adotaram softwares de computação gráfica nos anos 1990 produziu-se uma revolução intelectual e estética. Até aquela década, a única técnica prática que representava objetos 3D em um computador era produzida através da modelagem de polígonos planos. No início dos anos 1990, o aumento na velocidade de processamento dos computadores e o aumento da capacidade de memória ofereceram condições práticas para a modelagem em NURBS originalmente desenvolvida por Coons, entre outros, já nos anos 1960. Essa nova técnica para representar formas espaciais forçou um distanciamento da geometria retangular modernista no campo do pensamento arquitetônico na direção de privilegiar formas suaves e complexas criadas a partir de curvas contínuas (ou seja, dos NURBS). Como resultado, no final do século XX, a estética dos “blobs” começou a dominar o pensamento de vários estudantes de arquitetura, jovens arquitetos e até mesmo de reconhecidas “estrelas” da arquitetura. Visual e espacialmente, curvas suaves e superfícies com formas livres emergiram como a nova linguagem de expressão para o mundo globalizado e ligado em rede onde a única constante é a mudança rápida. A estética modernista da simplicidade e discrição foi substituída pela nova estética da continuidade e complexidade. (Outro termo útil cunhado para essa nova arquitetura com foco na pesquisa de novas possibilidades de formas espaciais possibilitadas pela computação e nas novas técnicas de construção necessárias para construí-las é a chamada “arquitetura não padrão” - non-standard architecture. No inverno de 2004, o Centro Georges Pompidou organizou uma mostra sobre arquitetura não padrão, que foi seguida pela conferência Prática do Não Padrão - Non-standard Practice no MIT.)
Vila em Copenhagen, Dinamarca pelo escritório MAD (Beijing).
Um centro para artes performáticas para um centro cultural na Ilha Saadiyat, Abu Dhabi por Zaha Hadid (Londres).
Esta mudança na imaginação da forma espacial correu em paralelo com a adoção de um novo vocabulário intelectual. O discurso arquitetônico se tornou dominado por conceitos e termos que igualam (ou diretamente advém deles) elementos do design e das operações oferecidas pelos softwares – splines e NURBS, morphing, modelagem e simulação baseadas em física, design paramétrico, sistemas de partículas, simulação de fenômenos naturais, IA e assim por diante. Vejam alguns exemplos:
“O campus está organizado e é navegado à base de desvios direcionais e a distribuição das densidades no lugar de pontos chaves. Isso é o indicativo do caráter do Centro como um todo: poroso, imersivo, uma área espacial.” Descrição de Zaha Hadid (Londres) do design de um Centro de Arte Contemporânea em Roma (atualmente em construção).
“Cenários de hibridização, enxerto, clonagem e morphing colocam em evidência uma perpétua transformação da arquitetura que se esforça para quebrar com as antinomias do objeto/sujeito ou do objeto/território.” Frédéric Migayrou sobre R&Sie (Francois Roche e Stéphanie Lavaux, Paris).
“O pensamento da lógica difusa (fuzzy) é um outro passo para ajudar o pensamento humano a reconhecer nosso ambiente menos como um mundo de fronteiras fragmentadas e de desconexões e mais como um campo repleto de agentes com fronteiras indefinidas. EMERGED investiga o potencial da lógica difusa como uma técnica organizacional libertária para o desenvolvimento de ambientes inteligentes, flexíveis e adaptativos. Observando o projeto como um campo de testes para suas ferramentas e técnicas de design, a equipe expande seu território focando e sistematizando a dinâmica de uma ferramenta de cabelo como uma máquina de design generativo em larga escala, envolvendo, contudo, níveis sociais e culturais de organizações globais.” Descrição do escritório MRGD (Melik Altinisik, Samer Chaumoun, Daniel Widrig) do Urban Lobby (pesquisa para um re-desenvolvimento da torre de escritórios Centre Point no centro de Londres).
Mesmo que a computação gráfica não tenha sido a única fonte de inspiração para esse novo vocabulário conceitual (influências importantes vieram da filosofia francesa e da ciência do caos e da complexidade), ela obviamente desempenhou o seu papel. Então, juntamente com o fato de transformar a linguagem do design e da arquitetura contemporâneos, a linguagem da computação gráfica se tornou a linguagem do design e da arquitetura contemporâneos – assim como a inspiração do discurso arquitetônico sobre prédios, cidades, espaço e vida social.
Representando processos culturais: das categorias discretas às curvas e superfícies
Se os arquitetos adotaram as técnicas de computação gráfica como termos teóricos para falar sobre o seu próprio campo, porque não fazer o mesmo com todo o campo cultural? Mas ao invés de somente utilizar esses termos como metáfora, porque não visualizar, na realidade, processos culturais, dinâmicas e fluxos utilizando as mesmas técnicas de computação gráfica?
É tempo de alinharmos nossos modelos e apresentações do processo cultural com a nova linguagem do design e as novas idéias teóricas tornadas possíveis (ou inspiradas) pelo software. Design, animação e softwares de visualização permitem conceitualizar e visualizar fenômenos e processos culturais em termos de parâmetros de mudança contínua, em oposição aos padrões categóricos “caixas” de hoje.
Assim como o software substituiu o antigo design das primitivas platônicas por novas primitivas (curvas, superfícies flexíveis, campos de partículas), vamos substituir a tradicional “teoria cultural das primitivas” pelas novas que existem. Em um cenário como esse, uma linha do tempo 1D se torna um gráfico 2 ou 3D, um pequeno conjunto de campos categóricos discretos é descartado em nome de curvas, superfícies livres em 3D, campos de partículas e outras representações disponíveis nos softwares de design e visualização.
Estas foram algumas idéias que nos levaram a criar em 2007 o Software Studies Initiative (softwarestudies.com ou softwarestudies.com.br) – um laboratório para análise e visualização de padrões culturais, localizado na Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD) e no Instituto da Califórnia para a Telecomunicação e Tecnologia da Informação (CALIT2).
Aproveitando a reconhecida credibilidade da UCSD e do Calit2 no campo das artes digitais e da ciência, temos desenvolvido técnicas para a representação gráfica e visualização interativa de artefatos e dinâmicas culturais. Nossa inspiração vem de vários campos, todos baseados na computação gráfica para visualizar dados – visualização científica, visualização da informação e “visualização artística” (veja infoaesthetics.com). Também pegamos emprestadas algumas idéias das interfaces padrões utilizadas na edição de mídia, nos softwares de composição e animação (Final Cut, After Effects, Maya, Blender etc.) que empregam curvas para visualizar as mudanças em vários parâmetros da animação ao longo do tempo.
Cultura em dados
Antes que nos aventuremos em dobras, campos, nuvens de partículas e superfícies complexas, vamos começar com um elemento básico da representação espacial moderna: uma curva. Como você representa um processo cultural que se desdobra historicamente ao longo do tempo com uma curva contínua? (No que se segue não falaremos de splines, ou seja, a técnica para representar matematicamente uma curva suave que permite sua edição de forma interativa, mas somente falaremos da curva como uma figura gráfica).
Se, como vários historiadores dos séculos passados, acreditássemos que a história cultural segue leis simples, por exemplo: que cada cultura segue um ciclo de crescimento, uma “idade de ouro” e um declínio, as coisas seriam muito simples. Seríamos capazes de criar fórmulas que matematicamente iriam representar os processos de crescimento e mudança (por exemplo, trigonométricos, exponenciais ou funções polinomiais) e somente ficar alimentando as suas variáveis com dados representando algumas condições do processo histórico real em questão. Teríamos então uma curva suave perfeita que representa um processo cultural como um ciclo de crescimento e declínio. Contudo, já que o paradigma histórico está claramente invalidado na atualidade, temos que fazer nossas curvas baseados nos dados reais sobre o todo dos processos culturais.
Uma curva 2D define um conjunto de pontos que nele se situam. Cada ponto, a cada momento, é definido por dois números - coordenadas X e Y. Se os pontos são densos o suficiente, eles visualmente formariam sozinhos uma curva. Se eles não são densos o suficiente, podemos utilizar um software para alinhar uma curva através desses pontos. É claro que nós nem sempre temos que desenhar uma curva através desses pontos (por exemplo: se os pontos formam um conjunto qualquer ou formam qualquer outro padrão geométrico, isso já significativo em si mesmo”5.
Em cada caso, precisamos de um conjunto de coordenadas X e Y. Para fazer isso, temos de mapear um processo cultural em um conjunto de números onde um número é o tempo (eixo X) e o outro número é alguma qualidade do processo naquele período (eixo Y).
Em resumo, temos de transformar cultura em dados.
Apesar da definição de cultura incluir crenças, ideologias, modismos e outra propriedades não físicas, em um âmbito prático, nossas instituições culturais e a indústria cultural lidam com uma manifestação particular da cultura: os objetos. Isso é o que está guardado na Livraria do Congresso Americano ou no Metropolitan Museum, criados por designers industriais, postados por usuários no Flickr e vendidos na Amazon. Altere tempo ou distância, e os objetos culturais manifestam mudanças em suas sensibilidades culturais, imaginação ou um estilo. Então, mesmo que mais tarde nós tenhamos de assumir o desafio de afirmar que a cultura pode ser equiparada aos objetos culturais, se pudermos começar pelo uso de um conjunto desses objetos para representar as mudanças graduais na sensibilidade cultural ou na imaginação, isso seria um começo.
Utilizar números no eixo X (por exemplo, tempo) é fácil. Normalmente objetos culturais tem alguns metadados discretos ligados a eles – a data ou lugar de criação, o tamanho (de uma obra de arte), a duração (de um filme) e assim por diante. Então, se temos a data em que o objeto cultural foi criado, podemos inserir esses números como metadados no eixo X. Por exemplo: se estamos interessados em representar o desenvolvimento da pintura no século XX, podemos mapear o ano em que cada pintura foi feita. Mas o que usaremos no eixo Y? Em outras palavras, como podemos comparar as pinturas umas com as outras qualitativamente?
Podemos manualmente anotar os conteúdos das pinturas (mas não os detalhes da sua estrutura visual). Alternativamente, podemos pedir para experts (ou um outro grupo de pessoas) para localizar as pinturas em alguma escala discreta (valor histórico, preferência estética etc.), mas esse tipo de julgamento só pode funcionar com um pequeno número de categorias.6 Mais importante, esses métodos não geram escalas muito bem – eles custariam muito se quiséssemos descrever centenas de milhares ou milhões de objetos. Igualmente, as pessoas têm dificuldades para ordenar um grande número de objetos que são muito similares entre si. Portanto, precisamos de alguns métodos automáticos que podem ser processados em computadores para descrever qualidades de um grande número de objetos culturais qualitativamente.
No caso de textos, isso se torna relativamente fácil. Desde que os textos já consistam de unidades discretas (por exemplo, palavras), eles naturalmente se conduzirão pelo processamento computacional. Podemos utilizar software para contar as ocorrências de uma palavra em particular e de combinações de palavras; podemos comparar os números de substantivos versus verbos; podemos calcular o tamanho das sentenças e os parágrafos e assim por diante.
Por que os computadores são muito bons em contar (assim como em processar operações matemáticas complexas a partir de números - o resultado da contagem), a digitalização do conteúdo dos textos, tais como os livros e o crescimento de websites e blogs rapidamente levaram ao surgimento de novas indústrias e de novos paradigmas epistemológicos que exploram o processamento computacional dos textos. A Google e outras ferramentas de busca analisam bilhões de páginas web e os links entre elas para permitir ao usuário buscar na web páginas que contenham frases particulares ou somente palavras. Nielsen Blogpulse analisou mais de 100 milhões de blogs para detectar tendências no que as pessoas estão dizendo sobre algumas marcas em particular, produtos, além de tópicos específicos em que os seus clientes estão interessados.7 A Amazon.com analisa os conteúdos dos livros que ela vende para calcular “frases estatisticamente improváveis” usadas para identificar partes únicas dos livros.8 No campo das humanidades digitais, pesquisadores já vêm há muito tempo desenvolvendo estudos estatísticos de textos literários. Alguns deles, mais notadamente Franko Moretti, têm produzido visualizações dos dados em formas de curvas mostrando tendências históricas.9
Mas e as mídias analógicas, como as imagens e os vídeos? Fotos ou vídeos não têm definidos claramente as suas unidades discretas que seriam equivalentes às palavras. Além disso, a mídia visual não tem um vocabulário padrão ou uma gramática – o sentido de qualquer elemento de uma imagem somente é definido no contexto particular de todos os outros elementos que estão nessas imagens. Isto torna o problema da análise visual automática da imagem muito mais desafiadora, mas não impossível. O segredo é focar na forma visual (o que é fácil para o computador analisar) e não na semântica (o que é muito difícil).
Desde meados dos anos 1950, os cientistas da computação têm desenvolvido técnicas para automaticamente descrever propriedades visuais das imagens. Podemos analisar distribuições de tons cinza, cores, orientação e curvatura das linhas, textura e literalmente centenas de outras dimensões visuais. Algumas poucas técnicas (como um histograma) são construídas em softwares de edição de mídia como o Photoshop e na tela de câmeras digitais. Muitas outras estão disponíveis em softwares de aplicações especializadas ou descritas em publicações profissionais na área de ciência da computação.
Nossa abordagem, que chamamos de Analítica Cultural (Cultural Analytics), utiliza como técnica analisar automaticamente imagens e vídeos para gerar descrições numéricas de suas estruturas visuais. Essas descrições numéricas podem ser então geradas em forma gráfica e também analisadas estatisticamente. Por exemplo: se traçarmos as datas das criações de imagens ou filmes num eixo X, usaremos uma das (ou uma combinação) mensurações desses objetos para posicioná-los no eixo Y. A linha formada por esses pontos representará como um conjunto de objetos culturais se modificou ao longo do tempo em relação às dimensões visuais que estão sendo traçadas.
HistóriadaArte.viz
Para o nosso primeiro estudo com o objetivo de testar essa abordagem, escolhemos um pequeno conjunto de dados de 35 imagens canônicas da história da arte que cobrem o período desde Coubert (1849) até Malevich (1914). Escolhemos imagens que são representações típicas de uma apresentação da história da arte moderna em um livro sobre história da arte ou em uma palestra: do Realismo do século XIX e as pinturas de salão até o Impressionismo, Pós-impressionismo, Fauvismo e a Abstração Geométrica dos anos 1910. A idéia não era encontrar um novo padrão num conjunto de dados como esse, mas ao invés disso, era observar se o método da Analítica Cultural poderia modificar nosso entendimento compartilhado do desenvolvimento da arte moderna em uma curva baseada em algumas qualidades objetivas dessas imagens.
Eixo X: datas das pinturas (em anos). Eixo Y: valor do oblíquo reverso de cada pintura. (Oblíquo é uma medida dos valores da escala de cinza de uma imagem. Uma imagem que tem em sua maioria tons de luzes terá uma escala de oblíquos negativa; uma imagem que tem em sua maior parte tons escuros, terá uma escala de ângulo positiva. Em nosso gráfico nós revertemos os valores do oblíquo para tornar o gráfico compreensível).
Porque forçar o desenvolvimento cultural contínuo e dinâmico em pequenos conjuntos de dados categorizados? Em vez de projetar um pequeno conjunto de categorias sobre os dados que definem cada objeto cultural como pertencendo a categorias discretas ou como estando fora de todas as categorias (o que automaticamente as torna menos importantes para a pesquisa), podemos visualizar o padrão global em seu desenvolvimento. Neste gráfico definimos uma linha de tendência utilizando todos os pontos (todas as 35 pinturas). A curva mostra que as mudanças nos parâmetros visuais, as quais, em nosso ponto de vista, definiram a arte moderna no século XX (formas simplificadas, tonalidades brilhantes, cores mais saturadas, imagens mais planas) se aceleraram após os anos 1870 e aceleraram ainda mais após os anos 1905.
Para determinar valores Y para este gráfico, mensuramos as pinturas a partir das seguintes dimensões: escala de cinza média, saturação média, o tamanho do histograma da escala binária de cinza e ângulo.Todos os valores, exceto os oblíquos, foram mensurados em uma escala de 0-255; os valores oblíquos foram normalizados à mesma escala de valores. (O tamanho do histograma da escala binária de cinza indica quantos diferentes valores de pixels têm valores não-0 em seu histograma. Se uma imagem tem cada um dos valores da escala de cinza, esse número então será 255; se uma imagem tem somente poucos valores listados na escala de cinza, o número correspondente será menor).
Podemos comparar a variação do desenvolvimento entre diferentes períodos. Gráfico: comparando as mudanças na pintura antes de 1900 versus pinturas pós-1900 usando linhas de tendências lineares.
Mensurações computacionais de estruturas visuais permitem encontrar diferenças entre conjuntos culturais, que à primeira vista parecem idênticos (assim como encontrar similaridades entre os conjuntos, o que se pensava ser muito diferente).
Gráfico: Ao comparar a mudança na escala mediana de cinzas das pinturas “realistas” x “modernistas” em nosso conjunto, revela-se que, nessa dimensão, a anterior foi se modificando à mesma exata medida que a última.
Visualizar dados culturais pode revelar a “dispersão” relativa de diferentes conjuntos de dados culturais em relação a eles mesmos.
Gráfico: comparando o alcance dos valores em dois sub-conjuntos de dados: Pós-impressionismo e a Abstração de 1910-1915. No período anterior, o alcance dos valores é muito amplo. No segundo período, artistas trabalhando em países diferentes sob ideologias artísticas distintas acabaram ocupando uma parte muito menor do espaço das possibilidades visuais.
HistóriadoFilme.viz
Neste exemplo exploramos os padrões na história do cinema como representados por 1.100 filmes lançados. Os dados são do cinemetrics.lv 10. Os filmes cobrem um número de países e um período que vai de 1902 a 2008 (Note que assim como no exemplo anterior, esse conjunto de dados também representa uma seleção tendenciosa: filmes que interessam àqueles historiadores do cinema que contribuem com os dados – mais do que alguma amostragem objetiva da produção mundial ao longo do século XX).
Para cada filme a base de dados Cinemetrics provê dados sobre o tamanho de cada plano em um filme, assim como a média do tamanho dos planos (que pode ser obtido ao se dividir o tamanho de um filme pelo total de números de planos). Esses dados nos permitem explorar os padrões de tamanhos de planos (que correspondem à velocidade do corte) ao longo de vários períodos no século XX e em diferentes países (Os gráficos neste artigo foram produzidos utilizando-se uma seleção completa de dados a partir do site cinemetrics.lv , com banco de dados do mês de agosto de 2008.)
Eixo X: datas dos filmes (em anos). Eixo Y: média dos planos (em segundos). Cada filme é representado por um pequeno círculo. A linha de tendência através dos dados mostra que entre 1902 e 2008, a média no tamanho de cada plano em todo conjunto de dados diminuiu de 14 para 10 segundos – algo esperado desde o surgimento da MTV desde os anos 1980.
Durante o período em que o cinema mudou de uma forma de linguagem anterior que simulava o teatro para uma linguagem “clássica” baseada em cortes entre as mudanças de ponto de vista, a evolução da média dos planos se tornou muito mais rápida. Entre 1902 e 1920, a média do tamanho do plano diminuiu aproximadamente 4 vezes.
Aqui comparamos as tendências no tamanho dos planos dos filmes em três países: Estados Unidos, França e Rússia. O gráfico revela um número de padrões interessantes. Do começo do século XX, os filmes franceses são mais lentos que os americanos. Os dois se alcançam nos anos 1920 e 1930, mas após isso os filmes franceses voltam a ser lentos. E mesmo depois de 1990, quando ambas curvas começam a diminuir, o espaço entre eles se mantém o mesmo. (Isso pode parcialmente explicar porque filmes franceses não tem sido bem sucedidos no mercado de cinema nas décadas recentes). Em contraste à linha de tendência para os EUA e França, a linha para o cinema Russo tem muito mais curvas dramáticas – um reflexo das mudanças radicais na sociedade russa no século XX. O mergulho nos anos 1920 representa o corte rápido da escola de montagem russa (filmes os quais dominaram a seleção do cinemetrics.lv de cinema russo para aquele período), que tinha como objetivo estabelecer uma nova linguagem do filme, apropriada à nova sociedade socialista. Após 1933 quando Stalin apertou o controle sobre a cultura e estabeleceu a doutrina do Realismo Social, os filmes começaram a ficar lentos. Nos anos 1980, a sua média de planos era de 25 segundos versus 15 segundos para os filmes franceses e 10 para os filmes americanos. Mas após a dissolução da União Soviética e a Rússia começa a adotar o capitalismo, a média dos cortes dos filmes, correspondentemente, começa a aumentar muito rapidamente.
Os detalhes particulares das linhas de tendências neste gráfico não refletem, é óbvio, uma “figura completa”. A base de dados do Cinemetrics contém números desiguais de filmes de três países (479 americanos, 138 franceses e 48 russos/soviéticos), os filmes não são distribuídos no tempo e, talvez, mais importante, a seleção dos filmes é excessivamente tendenciosa, feita através da importância histórica dos diretores e do “cinema de arte” (por exemplo: existem 4 entradas para Eisenstein e 53 entradas para D.W. Griffith). Se formos adicionar mais dados aos gráficos, as curvas no gráficos podem surgir de alguma forma diferentes. Contudo, dentro de um subconjunto “canônico” particular de todo o cinema contido nos dados do cinemetrics, o gráfico mostra a tendência real que, como vimos, corresponde à condições culturais e sociais mais extensas nas quais a cultura é realizada.
Até agora, muitos dos processos de visualização cultural usaram mídia discreta (por exemplo: textos) ou metadados sobre a mídia. History Flow usa histórias das páginas editadas da Wikipedia; Listening History de Lee Byron11 usa dados sobre o uso do last.fm; e The Ebb and Flow of Movies12 usa dados de recibos de bilheteria de cinema. Em contraste, nosso método considera os padrões de visualização como manifestados em estruturas de mudanças de imagens, de filmes, de vídeos e outros tipos de mídia visual. Atualmente, nós estamos expandindo nosso trabalho para processar conjuntos de dados ainda mais extensos – por favor, visite softwarestudies.com** para ver nossos novos resultados.
Notas de Rodapé
Os detalhes particulares das linhas de tendências neste gráfico não refletem, é óbvio, uma “figura completa”. A base de dados do Cinemetrics contém números desiguais de filmes de três países (479 americanos, 138 franceses e 48 russos/soviéticos), os filmes não são distribuídos no tempo e, talvez, mais importante, a seleção dos filmes é excessivamente tendenciosa, feita através da importância histórica dos diretores e do “cinema de arte” (por exemplo: existem 4 entradas para Eisenstein e 53 entradas para D.W. Griffith). Se formos adicionar mais dados aos gráficos, as curvas no gráficos podem surgir de alguma forma diferentes. Contudo, dentro de um subconjunto “canônico” particular de todo o cinema contido nos dados do cinemetrics, o gráfico mostra a tendência real que, como vimos, corresponde à condições culturais e sociais mais extensas nas quais a cultura é realizada.
Conclusão
Disciplinas de humanidades, crítica, museus e outras instituições culturais geralmente apresentam a cultura em termos de períodos contidos neles mesmos. Similarmente, as mais influentes teorias modernas da história como as de Kuhn (“paradigmas científicos”) e Foucault (“epistemes”) também têm os seus focos em períodos estáveis – mais que em transições entre eles. De fato, bem pouca energia intelectual tem sido gasta no período moderno para se pensar em como as mudanças culturais acontecem. Talvez isso tenha sido necessário, já que até recentemente as mudanças culturais de todos os tipos eram muito vagarosas. Contudo, desde o início da globalização dos anos 1990, não apenas as mudanças foram aceleradas em todo o mundo, mas a ênfase em mudanças, mais que em estabilidade, tornou-se a chave dos negócios globais e do pensamento institucional (expressada pela popularidade de termos como “inovação” e “mudança disruptiva”). Nosso trabalho de visualizar as mudanças culturais é inspirado por softwares comerciais como o Google’s Web Analytics, o Trends e o Flu Trends, além do BlogPulse de Nielsen, assim como em projetos de artistas e designers tais como os seminais History Flow de Fernanda Viegas e Martin Wattenberg, o Listening History de Lee Byron e o The Ebb and Flow of Movies 10.
Até agora, muitos dos processos de visualização cultural usaram mídia discreta (por exemplo: textos) ou metadados sobre a mídia. History Flow usa histórias das páginas editadas da Wikipedia; Listening History de Lee Byron11 usa dados sobre o uso do last.fm; e The Ebb and Flow of Movies12 usa dados de recibos de bilheteria de cinema. Em contraste, nosso método considera os padrões de visualização como manifestados em estruturas de mudanças de imagens, de filmes, de vídeos e outros tipos de mídia visual. Atualmente, nós estamos expandindo nosso trabalho para processar conjuntos de dados ainda mais extensos – por favor, visite softwarestudies.com** para ver nossos novos resultados.
* Nota do tradutor: o uso da palavra “discreta” que adjetiva termos como “categoria”, “escala”, “unidade” é referente à “mídia discreta”, que são mídias estáticas como textos, imagens e gráficos em relação às mídias contínuas, dependentes do tempo como filmes, sons e animações.
Notas de Rodapé
2. Edward Tufte, The Visual Display of Quantitative Information, segunda edição. Graphics Press, 2001.
3. http://design.osu.edu/carlson/history/lesson4.html. Sobre a publicação original, veja Steven A. Coons, Surfaces for Computer-Aided Design of Space Forms, MIT/LCS/TR-41, June 1967.
5. Eu não estou falando de técnicas estatísticas de análise de cluster, mas simplesmente de pontos representados graficamente com duas dimensões e exame visual do resultado gráfico.
6. Tal método é um exemplo de técnica muito mais geral chamada “escalamento”: Em ciências sociais, escalamento é o processo de medir ou ordenar entidades respeitando atributos quantitativos ou traços. http://en.wikipedia.org/wiki/Scale_(social_sciences)
7. “BlogPulse Reaches 100 Million Mark” .
9. Franco Moretti. Graphs, Maps, Trees: Abstract Models for a Literary History. Verso: 2007.
10. Agradeço especialmente a Yuri Tsivian pela generosidade de prover o acesso ao banco de dados do Cinemetrics .